Costurar

Telma nos trouxe um texto – isso já tem um tempinho – pra uma cena em que ela condensa algumas das brincadeiras de Bentinho e Capitu ainda meninos e em que ele conta a ela que a mãe o mandará ao seminário. E, por algum motivo – o envolvimento com outras cenas e outros trechos do romance, possivelmente -, ele ficou parado, meio esquecido. Mas eis que ressurgiu.

No último ensaio, fizemos o seguinte exercício: as duplas Eldon e Valéria, Telma e Vinícius, Boone e Alê montaram a cena – três propostas, portanto. E Lorena fez, todas as três vezes, outras personagens que passam pelas crianças: Dona Glória, uma vizinha e um vendedor de cocadas.

Curioso é que, quando resolvemos retomar o texto, Telma achou que talvez não valesse a pena, que fosse desnecessário. Mas eu tinha gostado dele, achei que renderia bem em cena. E estava certo, foi muito proveitoso.

Quanto à interpretação, os atores pesaram a mão na interpretação do menino Bentinho – na história de fazer a criança, escorregaram, em alguns momentos, no estereótipo. Já as atrizes não tiveram esse problema. Compreenderam que o texto e as ações davam conta de mostrar a infância. Por outro lado, quando Capitu externa sua ira em relação à ida de Bentinho para o seminário, chamando Dona Glória de “carola, beata, papa-missas”, ficaram adultas demais – interpretavam uma ira de mulher feita e traída, o que, pra ser franco, ainda não sei se me desagrada.

Seja como for, isso é ajustável e muito normal numa primeira passada. Bom mesmo e que merece consideração é como a cena foi concebida – particularmente na proposta de Eldon, Valéria e Lorena, em que um desses ursinhos de bebês, dos quais a gente puxa uma cordinha pra que eles toquem uma musiqueta insuportável, assume várias funções, além da forma de lidar com elementos de um possível cenário.

Com essa cena, decidimos que podemos tentar uma primeira costura de coisas que temos montado isoladamente. Experimentaremos, na semana que vem, um bloco: a cena feita a partir do capítulo III, “A denúncia”, em que José Dias sugere que Bentinho seja logo mandado ao seminário, revelando ao menino que ouve atrás da porta seus sentimentos por Capitu; o capítulo XII, “Na varanda”, em que Bentinho, atordoado pela denúncia, remói sua descoberta sozinho – e aqui inseriremos a cena dos brinquedos de criança, como memória do personagem; e os capítulos XIII, “Capitu”, primeira aparição dos olhos de ressaca, XIV, “A inscrição”, em que os nomes dos dois no muro, escritos pela menina, confirmam a denúncia do agregado, e XV, “Outra voz repentina”, em que o Pádua surpreende Bentinho e a filha no quintal e a possível dissimulação de Capitu manifesta-se.

E, no embalo, aproveitamos outro bloco: a preparação das atrizes para Dona Glória e a entrada da mesma na cena do retrato, que já levantamos há um bom tempo – falamos um pouco disso em Dona Glória e o desrespeito.

Acho que isso vai ser bom – tanto no sentido de ser prazeroso quanto no de nos dar um pouco a cara do que temos feito. Depois, volto pra contar.

Glória, glória, glória!

Vínhamos, há alguns ensaios, nos debruçando sobre a cena em que as atrizes se preparam para interpretar a Dona Glória – consultando posts anteriores, vejo que começamos a trabalhá-la no último dia 15, embora neste período tenhamos tido feriados e não a tenhamos abordado em todos os encontros.

Em primeiro plano, Alê; ao fundo, Telma e Valéria - na cena da preparação para Dona Glória
Em primeiro plano, Alê; ao fundo, Telma e Valéria - na cena da preparação para Dona Glória

No post A denúncia (e mais um pouco de José Dias e Dona Glória), falo um pouco de nossos primeiros passos com ela. Lá, está dito que, ao executar a cena, partimos de premissas erradas, dramatizando algo que tinha cunho épico. E houve mais: as falas de cada uma das atrizes se entrecruzam, se cortam, mas cada uma deve funcionar como um discurso único. Quero dizer: Quando a Valéria, por exemplo, dá a sua próxima fala, esta deve ser continuidade da fala anterior, independente do que tenham dito, entre elas, as outras atrizes – ao contrário do que acontece no modelo dramático, em que o diálogo transforma os interlocutores, fazendo com que as falas funcionem como réplicas e tréplicas. Mas isso nem sempre é fácil de se conseguir na atuação. E, ainda: na tentativa de montar a cena, recursos estéticos iam sendo excessivamente elaborados, mas a ação básica – a preparação para a cena – ia se diluindo, se perdendo.

Propus, então, às atrizes, que voltássemos a desmembrar a cena. Que trouxessem roupas, acessórios, maquiagem, o que achassem necessário para a caracterização da personagem. E que executassem a cena sozinhas, cada uma a sua vez, unindo todas as suas falas num bloco único de texto. Cada uma delas, então, fez uma cena solitária de preparação para a personagem, deixando o foco não no texto, mas na ação, no preparar-se para entrar em cena. E aí, a coisa rolou.

Tudo bem, mais uma vez, descobrimos o óbvio – como no texto Protocolo do Dinho pro período de 16 a 20 de março. Mas vou repetir aqui o que está dito lá: “[…] talvez seja assim com todas as obviedades – elas ganham valor quando conseguimos nos deparar com elas de forma que não suspeitávamos; quando elas aparecem fora do lugar; quando nos mostram que óbvias não são elas, mas o olhar que sobre elas colocamos”. E, se você quer saber, é um enorme prazer quando isso acontece, quando redescobrimos no corpo essas coisas que já sabemos – e, claro, nos redescobrimos como atores. Afinal, de certa forma, é um pouco esse o nosso ofício.

Ao voltarmos à cena das quatro, vimos que achamos o que buscávamos. A cena ainda precisa ser ajustada no que diz respeito ao seu tempo – ela ainda está lenta; é preciso, agora, ajustar o tempo de cada atriz com suas falas trespassadas pelas falas das outras. Mas isso – perdoem a repetição que pode parecer trocadilho – é questão de tempo.

Barsa Dream ou Protocolo de 22,24 e 25/04/09

Little Holy sonhou um sonho muito louco! Ao fazer sua tarefa de casa, dormiu enquanto pesquisava sobre a Ilha de Madagascar em sua enciclopédia Barsa, que sua mãe havia comprado. Depois de pegar no sono sobre seus livros, ele despertou em outro plano, onde encontrou várias pessoas se exercitando, aquecendo os músculos e a língua. Little Holy achou aquilo esquisito e engraçado,mas ficou observando tudo sentado em um pequeno balcão. De repente essas pessoas começaram a reproduzir o que acontecera com ele um dia atrás: ele estava brincando de amarelinha com Sinnereye e ela o jogara no céu, contando que gostava dele através de uma inscrição, feita no chão com giz, perto de onde os dois brincavam. Tentando fugir daquela cena, Little Holy imaginou como seria seu futuro se ele não tivesse que ser adestrador de baratas gigantes em Madagascar, e fosse um advogado bem quisto na sociedade, casado com Sinnereye. Era isso o que ele mais queria no fundo do seu ser, mas por causa de uma promessa que sua mãe fizera, Little Holy teria que ser adestrador de baratas gigantes em Madagascar, pois ela não queria que o filho fosse motorista de ônibus que não param no ponto, como seu falecido marido. Com esse lapso de pensamento Little Holy foi transportado para seu quarto, e ali ele se viu mais velho conversando com um de seus criados, o amigo Day Jhones. Mas Little Holy não entendia sobre o que conversava com Day Jhones, pois a conversa entre eles era muda, ele só via seu criado gesticulando, se penteando, mas não entendia nada. Foi quando Little Holy começou a ouvir várias vozes femininas, e instantaneamente foi levado a um jardim suspenso em que quatro mulheres diferentes discursavam, gritavam e discordavam. . . Definitivamente não entravam em acordo! E o engraçado é que elas falavam muito o nome de sua mãe: Glory! Little Holy prestou mais atenção ao que elas falavam e ouviu-as falarem das decisões que sua mãe tomara após a morte de Big Saint, seu pai. Assim, o pequeno garoto de 15 anos pôde conhecer um pouco mais de sua mãe, e num piscar de olhos, as quatro mulheres começaram a falar alto, sem gritar, uma de cada vez, e acabaram se entendendo. Quando Little Holy começou a se aproximar das mulheres para falar com elas, ele começou a ouvir a voz de sua mãe e a sentir que estava sufocando. Ele acordou de seu sonho maluco com sua mãe o apertando. Ela pensara que o filho tinha morrido, coisa de mãe super protetora, afinal Little Holy era filho único. O menino acordou assustado com a atitude da mãe e com o sonho que acabara de ter. Little Holy pediu a mãe para ir brincar, e ela deixou. Ele levantou de sua escrivaninha, cruzou a sala e foi pro quintal. Ao descer as escadas avistou Sinnereye, que vinha ao seu encontro para chamá-lo para jogarem o 3º pré-molar e brincarem de adestradores de baratas gigantes, sua brincadeira favorita. Sinnereye era a barata. Little Holy o adestrador. A ilha era de Big Saint e a Barsa, bem…

Protocolo da semana de 13 a 19 de abril

atraso salão fechado grama vinícius imprimir dinho confusão foco idéias bunda no chão discussão cena confusão bunda no ar outra idéia rebelião mais confusão sujeira ai que saco capítulo IX nova tentativa resumo ainda rebeldia narradores orientação escolha dom casmurro bento santiago marcolini epifanias salão aberto com alê eldon sem vinícius com lorena clareza sugestões bunda quente no ar repassar quase escolhas mais uma vez re-repassar satanás na terra dom casmurro tentação fotos da ópera pausa do IX protocolo valéria textos referência laboratório da chegada salão ocupado grama livre texto glórias com picada na coxa sem dinho com carla com carmem com boone com eldon com dinho com glória incessante 4 atrizes em cruz texto boca frouxa quatro bundas grandes quentes no ar araras sem asas escondidas fragmentos projetados sem dinheiro pro aluguel movimentação interessante dramatização do épico bunda canastra traição broa 12,32 reais atraso salão aberto bunda e corpo quente salão inútil sala da casa sem bunda malhada sem bunda sisada café afins comer sem dinheiro improvisar josé afinado dias 5 bundas quentes 2 bundas cansadas 3 bundinhas inquietas choro josé 1 medroso mais café mais comida mais choro josé 2 ardiloso mais bunda crescendo na cadeira bundinhas com sono choro pausa dois josés boca inquieta pratos vazios café frio jogo muito choro elenco forte superação protocolo apoio cabeça frouxa bunda apressada bundinhas magoadas gritos bunda cansada mais cansada a menor bunda observa tudo jogo bacana boca vazia ouvido seletivo estômago cheio justina injusta glória chorona cosme a caminho protocolo memória coletiva capítulos XIII XIV XV bundinha no colo casa feriado.

Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz

Alvíssaras! Alvíssaras! A Funarte divulgou a relação de contemplados pelo Prêmio Myriam Muniz 2008. E Capitu está lá.

Parabéns aos demais contemplados – para ver quem são, acesse a página da Funarte – e, ainda, a todos os que se inscreveram – porque, afinal, inscrevermo-nos em editais assim é uma forma de demonstrarmos que temos produção local que precisa ser contemplada; principalmente se considerarmos que, até o ano passado, o ES podia pleitear o prêmio nas faixas de R$ 50.000,00 e de R$ 30.000,00, e este ano, teve como opções R$ 30.000,00 e R$ 20.000,00.

A denúncia (e mais um pouco de José Dias e Dona Glória)

No último ensaio, experimentamos a cena construída a partir do capítulo III, “A Denúncia”.

Na verdade, a proposta era que cada ator que vem trabalhando o José Dias – o Boone e o Eldon – escolhesse um trecho em que o personagem se relacionasse com outros para que pudéssemos nos aprofundar na composição. Coincidentemente, ambos escolheram a mesma passagem do romance – o capítulo III – e, com isso, acaba que nos debruçamos sobre a cena.

Pra quem não se lembra, no trecho em questão, José Dias aconselha Dona Glória a meter logo Bentinho no seminário para que não se corra o risco de que o menino e Capitu peguem de namoro, o que dificultaria muito a ida do rapaz. A conversa se dá na presença de Tio Cosme e Prima Justina – e com Bentinho escutando atrás da porta. É a partir daí que o moleque percebe o que, de fato, acontece entre ele a vizinha.

Na proposta, o foco ficou no diálogo entre os adultos, e não no menino que ouvia sua conversa. Então, os atores experimentaram as duas propostas separadamente – a do Boone e a do Eldon – para, em seguida, transformá-las numa cena só, em que os dois fariam o José Dias simultaneamente. Foi quando a sala da minha casa virou a sala de ensaios e a minha mesa, a mesa em que a família Santiago tomava o chá. Entre uma repetição e outra, consumiram um bolo de fubá, um pacote grande de roscas e bules de café.

Além dos dois intérpretes do José Dias, Alê fazia o Tio Cosme; Telma, a Prima Justina; Lorena, a Dona Glória – ela não larga mais o xale preto quando tem que fazer a personagem. Comeram, beberam e fizeram a cena – muito interessante, diga-se de passagem. Muito mesmo.

Gostei muito do tom que os personagens ganharam – que, comentamos, surpreendeu-nos a todos. Nesse sentido, foi muito legal ver a Prima Justina e o Tio Cosme. Porque quanto aos outros dois – Zé Dias e Dona Glória -, já vínhamos vendo como estão sendo construídos. Mas o Tio e a Prima, foi a primeira vez que deram o ar de sua graça. E foi boa a maneira como Alê trabalhou com o bonachão, de sexo oposto ao seu, e Telma lidou com a parente omissa, como deu relevo a ela na cena sem, no entanto, passar do espaço que ela ocupa nas relações daquela família. Fiquei feliz com o resultado – sempre provisório, num processo como o nosso.

As quatro atrizes - Valéria, Lorena, Telma e Alê - trabalhando na cena sobre a Dona Glória.
As quatro atrizes - Valéria, Lorena, Telma e Alê - trabalhando na cena sobre a Dona Glória.

Isso foi no sábado – e Valéria estava ausente, em viagem; e Vinícius, em função da extração dos cisos. Antes, no entanto, houve o ensaio de quarta. Neste, trabalhamos a cena em que as atrizes se preparam para fazer a Dona Glória, falando da personagem e do seu processo de composição. A cena teve seus achados, mas partiu de umas premissas que, concluímos, eram equivocadas. Na cena, deu-se tratamento dramático a algo que tinha cunho épico. As atrizes falavam de suas descobertas quanto à personagem como se acontecessem naquele momento – naquele desenrolar da ação tipicamente dramático, como aponta bem o Rosenfeld, ao dizer que o tempo da ação dramática “[…] é linear e sucessivo como o tempo empírico da realidade; qualquer interrupção ou retorno cênico a tempos passados revelariam a intervenção de um narrador manipulando a estória” (2004, p. 31), o que é típicamente épico. E, na verdade, o que se colocar em cena é justamente o processo passado daquelas atrizes, o que as levou àquela cena. A premissa equivocada, obviamente, nos levou a outros equívocos. Mas foi bom passar por eles, identificá-los, compreender o que queremos ali. Voltaremos à cena no ensaio de hoje, quarta.

E vamos ver.

Protocolo da Valéria pros dias 06 e 07 de abril

Começamos o ensaio, como sempre, na sala da casa do Dinho. Cheguei alguns minutos atrasada, como sempre, mas não teve grandes problemas porque na verdade só haviam chegado o Vinicius, a Lorena e o Boone, e do Eldon não preciso nem falar, pois sempre chegamos juntos. Logo em seguida fiquei sabendo que Telma não iria porque teve que levar a Izabel no médico e a Alê talvez chegaria atrasada porque ainda está às voltas com seu problema na UFES.

A Lorena começou a ler seu protocolo ali na sala mesmo para não perdermos tempo, e foi bem interessante a maneira como ela iniciou levando o seu protocolo dentro de um envelope e começando a ler um tal pré-protocolo que ela inventou. Levou outros recusos também como a distribuição de pétalas de flores, e trouxe à tona novamente a personagem da Dona Glória, mas não preciso me alongar muito nesse assunto, poque ela disponibilizará tudo via blog. Só quero deixar aqui uma dúvida que não consegui tirar logo após a apresentação do seu protocolo, mas aí vai a pergunta: Por que, Lorena, você rasgou o seu protocolo?

Sem mais delongas, fomos para o salão, quer dizer sala de ensaio, vimos primeiro as cenas do José Dias criadas pelo Eldon e o Boone, é muito legal ver como os personagens estão aparecendo aos poucos na voz do Eldon e no corpo do Boone, se pudéssemos juntar os dois, ja teríamos o nosso o José Dias perfeitíssimo, com vários superlativos de qualidade, mas como não podemos, os meninos ainda têm muito trabalho.

A tarefa seguinte proposta pelo Dinho era de montar novamente uma cena para o Capitulo IX (“A Ópera”), entramos numa discussão infinita e chegamos a diversas ideias, no final não executamos metade do que havíamos combinado na discussão, ficamos perdidos em cena numa improvisação sem fim e sem motivos.

O Dinho depois de ver a cena colocou as suas impressões e disse que ela tinha problemas porque não tinha uma proposta., pois ficamos preocupados em contar a historia do capitulo IX e não nos perguntamos o porquê do capítulo IX, que parece não ter nada a ver com o romance, está no livro antes mesmo dele iniciar a história.

Como já sabemos que esse tal autor modelo não faz nada à toa, aí tem coisa!  

Ficamos então encarregados de levar propostas para o próximo encontro, mas isso não aconteceu porque a chuva nos deixou ilhados em casa..

Ilhados em casa e ilhados no capítulo IX.

(um pouco sobre a ainda incipiente) Dramaturgia (ou, talvez, muito mais sobre o ainda incipiente dramaturgo)

Escrevi hoje – na verdade, apenas terminei hoje – uma cena para Dona Glória. É a primeira que escrevo no processo – e, se você lê este post antes das 14:00h, saberá antes dos atores que o texto está pronto, embora eles tenham sabido antes de você que o texto seria escrito.

A Dona Glória tem dado experimentações muito interessantes. A representação da mãe ideal – pelos olhos, pela memória e pela escrita do filho único, nosso narrador -, em confronto com o que expõe a Ingrid Stein sobre a mulher do século XIX e com as nossas reflexões acerca da maternidade, rendeu discussões e cenas muito ricas.

É preciso dizer que temos no elenco duas atrizes que são mães: a Lorena, com seus filhos pré-adolescentes, e Telma, com sua filha ainda pequena. Duas atrizes que não são mães: Valéria e Alexsandra. E há ainda a Carla, que atua no processo pra muito além de suas funções de produtora, preparadora corporal, iluminadora e assistente de direção, e que tem duas filhas, uma delas ainda bebê de três meses, linda, e outra de três anos, também linda – embora eu seja suspeito, uma vez que sou o pai delas. E há os homens, entre os quais sou o único pai, mas, obviamente, todos somos filhos. Digo isso porque as discussões sobre a maternidade foram, como se pode imaginar, permeadas pelas nossas experiências como filhos/pai/mães, e deram muito pano pra manga. E muito material pra Dona Glória. Um pouco disso está disperso por alguns dos posts anteriores.

Pois. Escrevi hoje uma proposta de cena pra Dona Glória e é a primeira que faço neste nosso processo. É que acho que a mãe do narrador do romance foi a primeira personagem a gerar material para isso. O texto é uma reunião, uma reorganização do material que as atrizes trouxeram em suas cenas e que nós levantamos nas nossas conversas. E, claro, uma criação a partir disso.

O texto tem lacunas. Reli antes de escrever isto aqui e percebi: ele não está bom, não está pronto, precisa ser trabalhado. Em suma, é um texto que, em outras circunstâncias, eu não apresentaria ainda. Mas resolvi levá-lo ao ensaio de amanhã – pelo horário, já é hoje, na verdade – e entregá-lo às atrizes, para que já o levemos à cena, provavelmente, no ensaio de sexta. Porque quero me colocar no processo, dramaturgo, como eles, os atores, se colocam – expondo-me em alto grau de precariedade, provisório, a ser lapidado. E a ser lapidado pelo contato com o outro, no contato com o outro.

Quero dizer: jogar o texto no corpo dos atores e me deparar – e deixar que eles se deparem – com as falhas ali. E ajustar o que for preciso a partir dali, e não da leitura que eu faço aqui, no monitor, imaginando o que será o texto neles. E assumir, mesmo, que a dramaturgia é feita por mim, mas como fruto de um trabalho coletivo. Isso tem sido bom.

Conversando com a Telma sobre uns projetos dela, falávamos da oposição entre este nosso modo de trabalho – que muitos já adotaram antes da gente – e o ideário romântico, com as noções de gênio, inspiração, subjetividade, etc. E como tem sido bom trabalhar assim, da maneira como temos feito.

Só pra concluir: continuamos com a ópera. Na segunda, novas tentativas em cena. Nada que funcionasse muito. Mas houve uma que me divertiu muito: uma em que os atores – em cena e, portanto, atores/personagens -, ao perceberem que deviam representar a ópera mais uma vez, diziam coisas como: “ah não, a ópera não!” ou “de novo? Ainda?” Não funcionou. Mas deve ter servido de desabafo pra eles. E, pra mim, foi divertidíssimo.

Modus operandi

“A Ópera” anda rendendo. Como já dito, nos debruçamos, ensaios atrás, sobre o capítulo IX do Dom Casmurro. Na primeira vez, tivemos três propostas de cena: uma trazida por Lorena, Telma e Vinícius – que fazia um paralelo entre a queda de Satanás e a ida de Bentinho para o seminário; outra de Eldon e Valéria – que passeava pela expulsão do paraíso e pela traição, focando a paródia bíblica; outra ainda do Boone e da Alê – mais concentrada na exposição da teoria do Marcolini. A gente já falou um pouco dessas cenas em posts anteriores.

A ideia era – e foi o que fizemos – discutir o capítulo depois que os atores tivessem apresentado as cenas resultantes de suas primeiras leituras. Então, lemos algo do que já foi dito sobre o capítulo – o Goulart, para quem o trecho funciona como espécie de planta baixa do romance; e o Gledson, que coloca o capítulo IX como “[…] um dos mais densos, confusos e mal interpretados […]” (1991, p. 143) do romance e defende ainda que, através dele, o Machado, que em Memórias póstumas de Brás Cubas e Quincas Borba criticava o positivismo, critica qualquer doutrina.

Entre o que discutimos, ficou forte essa noção do capítulo como espécie de síntese/apresentação do romance. Pareceu-nos coerente. É bem verdade que uma ou outra leitura podem forçar a barra nesse sentido, mas é claro que o Machado não colocaria ali o capítulo IX para criticar o que quer que fosse sem uma amarração. Ali, na paródia ao texto bíblico, o motivo da traição se repete, seja na expulsão do paraíso, seja na “ária de Abel”. Bem, o próprio narrador, no capítulo seguinte, chamado “Aceito a Teoria”, diz: “Eu, leitor amigo, aceito a teoria do meu velho Marcolini, não só pela verossimilhança, que é muita vez toda a verdade, mas porque a minha vida se casa bem à definição. Cantei um duo terníssimo, depois um trio, depois um quatuor… Mas não adiantemos […]” (ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Globo, 2008, p. 56)

Então, na retomada dos trabalhos sobre “A Ópera”, os atores – trabalhando todos juntos, sem divisões – optaram por seguir a linha: criaram uma cena que fizesse o mesmo movimento, uma síntese/apresentação do romance ou do que poderá vir a ser o espetáculo, sem função própria na fábula. O resultado foi muito bom, mas não para o que tínhamos proposto. É que, na cena, a ópera se diluiu, tornou-se um elemento a mais, como tantos outros. Ou seja: fazer a síntese ou a apresentação do espetáculo se tornou a proposta pela qual se guiaram que realizaram, mas não deram conta do capítulo IX, especificamente.

Tendo todos concordado com isso, resolveram voltar ao trecho, para uma nova experiência – sem a Telma, que não pôde estar no ensaio de segunda. Mas aí a coisa não funcionou. No primeiro parágrafo deste post, tá descrito como cada grupo focou a primeira cena que produziu sobre a ópera – o paralelo entre a queda de Satanás e a ida de Bentinho para o seminário; a abordagem expulsão do paraíso e da traição; a exposição da teoria que diz que a vida é uma ópera. O que aconteceu da última vez é que não houve foco. A cena não tinha uma proposta, era meio amorfa, como se não abordasse nada de verdade – ou abordasse tudo pela metade.

O bom foi perceber isso e falar sobre. Entender que o que fez com que a tentativa naufragasse foi isso; que, mesmo quando não pensamos na proposta da cena que criamos, ou ela terá uma que a manterá de pé, ou não terá nenhuma e perderá a sustentação. E acho que isso muda a maneira de os atores se aproximarem, a partir de agora, do próprio trabalho de criação.

Eldon (esq) e Vinícius (dir) em diálogo entre José Dias e Bentinho.
Eldon (esq) e Vinícius (dir) em diálogo entre José Dias e Bentinho.

Há duas constatações legais: a primeira é que, embora todos soubéssemos dessa história da proposta que sustenta – ou não – a cena, é diferente sentir no corpo e sentir no corpo deste trabalho, especificamente.Porque – e aqui já está a segunda constatação – uma coisa interessante do processo colaborativo é que ele pode se constituir de formas distintas em cada coletivo que o experimenta e, obviamente, constitui modos de trabalho também distintos. E me parece que estamos construindo o nosso.

Segunda cena do Boone pro José Dias
Segunda cena do Boone pro José Dias

Pra encerrar: ainda na segunda – na quarta não ensaiamos porque houve aquela chuva toda sobre a cidade, alguns dos atores ilhados, sem conseguir chegar; a sexta foi feriado e alguns viajaram – Eldon e Boone trouxeram outros trechos do José Dias, ambos continuam muito interessantes (há fotos aí). Nos dois trechos que cada um trouxe, ambos atuaram sós – ou contracenaram muito pouco. Agora, achamos, é hora de colocá-los em cena com outros personagens, outras situações. É esperar pra ver.